E fechando lentamente a noite, resolveu sair de casa. Observava na penumbra a poeira que recaía sobre os móveis antigos, que recebera de herança do pai. A palidez facial contrastava com a luz de um abajur tão antiquado quanto a mobília desgastada pelo tempo.
-"Meu bem, vou atrás de cigarros e vinho".
Saiu sem pestanejar, evitando até as chances de uma resposta amigável, e se dirigiu sedento ao prazer que só os vícios proporcionam. Os lábios ressequidos prenderam o ultimo cigarro que tivera no maço, amarrotado pela pressão do bolso apertado.
– Engordei?! Indagou-se com um olhar cabisbaixo sobre a propria silhueta, insatisfeito com sua estética.
Em meio a paisagens rotineiras,meninos brincando na rua, usuarios de crack com seus olhares desconfiados, e pensando em tarefas domésticas incompletas, questionava o tedio de uma vida de aparencias e uma solidao sem motivos aparentes que o corroia tal qual um cancer.
-“Não demore!” Eis a frase que o deixou confuso.... demorar? O que seria isso? Um simples conformismo do casamento gasto?
Pela avenida, trôpego, dirigiu-se até o local que atendia a suas pretensões.., “cigarros? Bebida? Anestesia da realidade? ".
No caminho, vozes com um tom de deboche. "Infelizes, burros, idiotas".... é o pensamento clássico no ambito de não se sentir pelo chão... “ Mas como não se sentir assim, dependente de substancias anti-lucidez para sobreviver, um fraco.....
Me chamo Augusto – não façam analogia ao classissismo historico, e o mesmo nome de meu pai – e ele , Carlos, não sei se trata-se de uma alegria ou desgraça, mas a vida real me uniu a ele.
Domingo... que tédio é esse dia, não tenho histórico de quem o goste. Foi em um domingo que aconteceu. Triste, chorando à noticia de ser soropositivo, ele surgiu. Preconceitos? Aparentemente não existiam, com a verdade nua e crua: HIV! Face escorrendo disfarçadas lágrimas, um misto de compaixão e rejeição.
Serviu um café em xícaras de porcelana, finas como casca de ovo, e as mão trêmulas pela notícia repentina o deixaram sem voz:. “ Está bom o café?”, foi a única indagação seguida de um murmurinho de resposta.
Pairou o silêncio. Observava-se os desenhos na parede, frutos da inspiração vinda do alcoolismo, desenhos estranhos. “– Algas marinhas, Augusto?" - “Não sei que figuras representam, eu estou alcoolizado, Carlos, me deixe durmir, caralho!”
“Bêbado? Louco? As únicas herança de Carlos foram os vícios, amor e desgraça da maneira mais antitética possível.
Na vitrola , o disco de Janis Joplin soa rasgando a alma. O que faço?
Como uma novela mexicana, o desfecho trágico, condenado à morte... Mas condenado a morte? Todos morrerão! A insônia já não era arrebatada com os lexotan. “Estou vivo!” ...
A noite se passa lentamente. No bolso de minha velha calça busco uma caixa de fósforos pra acender meu cigarro - "Acabaram novamente, merda!" Uma pequena aranha escondida atras de uma pilha de jornais envolve uma presa, como a natureza dita. Os cigarros acabaram. A alegria acabou. Por entre livros gastos, escondido, pos em sua mao uma arma de fogo e ficou a observa-la por longos minutos. Resolveu sair de casa.
(Thyago Pinto de Sousa)